Você já se emocionou ou se identificou com a letra de uma música? Conseguiu compreender o cenário no qual um compositor estava inserido, apenas ouvindo a canção dele? Certamente, todos nós, em algum momento, já tivemos esta experiência.
Mais do que entretenimento, a música é um documento histórico que nos permite assimilar elementos culturais, políticos e sociais de um determinado grupo ou país, além de representar opiniões e vieses acerca de episódios importantes como conflitos armados, regimes, ditaduras, tradições e outras práticas culturais.
Considerando a interdisciplinaridade entre as áreas, neste post o What’s Rel? traz uma abordagem pouco explorada no estudo das RI: as relações entre a arte, -mais especificamente a música – , e a política. Seguindo este intuito, separamos 15 músicas que nos ajudam a compreender acontecimentos das relações internacionais a partir do século XVIII até os tempos atuais, em ordem cronológica. Coloquem seus fones de ouvido e venham conferir:
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Viva La Vida – Coldplay
Apesar de ter sido lançada em 2008, Viva La Vida retrata episódios de séculos passados. Graduado em História do Mundo Antigo na faculdade, o vocalista Chris Martin não encontrou dificuldades em construir as referências da música. A canção trata da perda da hegemonia da religião católica no mundo a partir do século XVIII e possui diversas referências históricas que remetem desde as cruzadas até a Revolução Francesa (1789–1799). Podemos perceber este contexto nos versos: “O povo não podia acreditar no que eu havia me tornado / Revolucionários esperam / Pela minha cabeça numa bandeja de prata / Apenas uma marionete numa corda solitária / Oh, quem jamais desejaria ser rei? / Eu ouço os sinos de Jerusalém tocando / Corais da cavalaria romana estão cantando / Seja meu espelho, minha espada e escudo / Meus missionários em um campo estrangeiro”. (Tradução nossa).
Além destas referências, o nome da canção remete à última obra pintada pela artista mexicana Frida Kahlo. A obra “Viva la vida” de 1954 é uma pintura que celebra a vida, consistindo em um paradoxo construído pela artista, já que a mesma encontrava-se em seu leito de morte. Em sua segunda visita ao México, em março de 2007, o vocalista da banda Chris Martin decidiu que o nome de seu próximo álbum seria “Viva a vida”, em homenagem à força e coragem de Kahlo.
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P.L.U.C.K. – System of a Down
Composta por membros de descendência armênia, a banda norte americana System of a Down possui diversas canções sobre o Genocídio Armênio, também conhecido como Holocausto Armênio. Este triste episódio da história ocorreu durante a Primeira Guerra Mundial, tendo seu ápice em 1915, quando o governo do Império Otomano potencializou os assassinatos em massa dos súditos armênios, etnia minoritária no território que hoje constitui a República da Turquia. O extermínio do povo armênio consiste em um dos primeiros genocídios modernos e a impunidade com o que aconteceu com os armênios é considerado uma das motivações para o Holocausto promovido pela Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Na canção P.L.U.C.K. de 1998, a banda narra o episódio e apresenta soluções revolucionárias de reparação histórica e restituição: “Um Genocídio de uma raça inteira / Levado embora todo o nosso orgulho / […] / Revolução, a única solução / A resposta armada de uma nação inteira.” (Tradução nossa).
Hoje, alguns países reconhecem o episódio como genocídio, como é o caso da Rússia e da Alemanha porém, a Turquia, Estado sucessor do Império Otomano, os Estados Unidos e o Brasil, por exemplo, negam o termo como uma definição para os assassinatos que ocorreram. Como protesto, a banda System não se apresenta em território turco.
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Spanish Bombs – The Clash
A canção faz referência à Guerra Civil Espanhola, ocorrida entre 1936 e 1939, conflito entre republicanos e nacionalistas pelo governo da Espanha. Através da letra, a banda se posiciona ao lado dos revolucionários, que lutavam contra o governo do ditador Franco. A letra ainda compara a experiência turística moderna da Espanha com o cenário da Guerra Civil, relacionando as “trincheiras cheias de poetas” aos aviões cheios de turistas britânicos que visitavam as praias do país na era pós-Franco. Além disso, a música exalta o heroísmo dos republicanos, especialmente do poeta antifascista Frederico García Lorca.
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A Rosa de Hiroshima – Secos e Molhados
A canção de MPB lançada em 1973 foi inspirada em um poema de Vinícius de Moraes que possui o mesmo título e trata sobre os efeitos das bombas atômicas lançadas no Japão durante a Segunda Guerra Mundial, em 1945. Os bombardeamentos das cidades de Hiroshima e Nagasaki realizados pelos Estados Unidos chocaram a comunidade internacional, pois foi a primeira vez na história em que armas nucleares foram usadas em guerra e contra alvos civis. A resposta inicial aos ataques foi, em geral, positiva, apoiada pelo imaginário apresentado ao público e pela censura, por parte do governo norte-americano; porém, após a divulgação de fotografias, documentários e gravações, que mostravam os horrores da guerra, críticas começaram a aparecer no que tange aos Direitos Humanos.
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Cult of Personality – Living Colour
Ao mencionar figuras políticas como Kennedy, Mussolini, Stalin e Gandhi, a música lançada em 1988 retrata a propaganda em Estados autoritários, atentando-se para o culto ao líder e seus discursos. O nome da canção foi inspirado no livro “On the Cult of Personality and Its Consequences”, do líder soviético anti-stalinista, Nikita Khruschov. A canção possui trechos como “Eu exploro você ainda assim você me ama / Eu te digo que um mais um é três / Eu sou o culto da personalidade / […] / Você me deu fortuna / Você me deu fama / Você me deu poder em nome do seu próprio Deus / Eu sou cada pessoa que você precisa ser / Oh, eu sou o culto da personalidade.” (Tradução nossa).
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“Power To The People” – John Lennon
Composta em 1971, a música representa um protesto contra a Guerra do Vietnã (1955-1975) e é hoje reconhecida como um dos hinos revolucionários mais impactantes já criados, devido ao seu verso principal: “Poder ao povo”. Lembrando que o conflito citado está inserido na disputa bipolar da Guerra Fria e os crimes de guerra cometidos pelas tropas estadunidenses ganharam forte repercussão na mídia, desencadeando um movimento anti-guerra. Em um âmbito mais amplo, este movimento fazia parte da contra cultura, uma espécie de revolução cultural, política e social iniciada na década de 1960, com pilares como repúdio à violência, negação dos valores capitalistas e dos chamados “bons costumes”. Em 2007, a canção foi regravada pela banda Black Eyed Peas.
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Mississippi Goddamn – Nina Simone
Composta por uma das cantoras de grande presença no movimento negro norte-americano, a canção retrata a violência racial no estado do Alabama. A letra foi inspirada em um episódio de assassinato de quatro crianças negras em uma igreja de Birmingham, em 1963, sendo lançada um ano após o crime. Podemos perceber este contexto nos versos: “Filas de grevistas / Boicotes escolares / Eles tentam dizer que é uma conspiração comunista / Tudo que eu quero é a igualdade / Para minha irmã meu irmão meu povo e eu / […] / Você não tem que viver ao meu lado / Apenas me dê a minha igualdade.” (Tradução nossa).
Com letras fortes e diretas, Nina buscou promover a justiça racial no país. Este tema estava presente na maior parte de suas canções, como “I Wish I Knew How It Would Feel to Be Free”, “Backlash Blues”, “Strange Fuit”, entre outras.
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“Que país é esse?” – Legião Urbana
Composta pelo cantor Renato Russo em 1978, durante o período da ditadura militar no Brasil, a canção estourou nas rádios em 1986, quando o país estava sob comando de José Sarney, primeiro presidente civil em tempos de redemocratização. O ponto interessante da canção é a sua atualidade pois traz temas ainda discutidos no país em 2020. Em sua letra, a canção aborda a corrupção e as desigualdades sociais e econômicas que vieram à tona na década de 1980 e perpetuaram até os tempos atuais. Lembramos que neste período os países da América Latina viviam o momento de abertura política, após intensos anos de ditaduras instauradas no contexto da Guerra Fria.
A banda em questão ainda conta com outras músicas de protesto político que denunciam a opressão da ditadura, o imperialismo norte-americano e o avanço das desigualdades, como “1965”, “Índios”, “Geração Coca Cola” e “Faroeste Caboclo”.
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“The Last Song” – Elton John
Na década de 80, o mundo enfrentava a epidemia global da AIDS e diversos artistas conhecidos foram contaminados por tal doença. Um ano após a morte de Freddie Mercury, o compositor Bernie Taupin escreveu “The Last Song”, canção lançada por Elton John em benefício de sua fundação contra a doença. A letra retrata a história de um pai que tenta aceitar a sexualidade do filho, que está em leito de morte por complicações da AIDS.
No Brasil, cantores como Cazuza e Renato Russo também faziam referências ao tema em suas canções. Ambos foram vítimas da doença.
É interessante pontuar que esta epidemia global trouxe um grande debate sobre a Saúde Global na medida em que abordava temas “tabus” na sociedade como sexualidade e os direitos homossexuais. No início dos anos 80, a Organização Mundial da Saúde e o Conselho Federal de Medicina ainda consideravam a homossexualidade como uma doença mental.
10. They Don’t Care About Us – Michael Jackson
Esta canção do rei do pop, como é conhecido Michael Jackson, aborda questões relacionadas aos Direitos Humanos e denuncia a falta de comprometimento das autoridades para com as minorias e os oprimidos. Lançada em 1995, a canção possui duas versões, uma cujo o clipe foi gravado no Brasil, especificamente na Favela Santa Marta no Rio de Janeiro, e no Pelourinho, em Salvador. Já a segunda versão tinha como cenário uma prisão estadunidense e denunciava as situações que os carcerários eram expostos. Além disso, no clipe aparecem imagens da brutalidade policial, a Ku Klux Klan e outros abusos contra os direitos humanos.
11. “Talkin’ About a Revolution” – Tracy Chapman
Apesar de não ser tão conhecida quanto a canção “Fast Car” da cantora, “Talkin ‘bout a Revolution” aborda temáticas e conteúdos que permanecem atuais. Lançada em 1988, a música retrata a pobreza nos Estados Unidos: “Enquanto eles estão nas filas do bem-estar / Chorando às portas dos exércitos da salvação / Perdendo tempo nas filas do desemprego / Sentados esperando por uma revolução.” (Tradução nossa)
Em 2011, a canção tornou-se hino não oficial da Revolução Tunisiana – considerada o estopim da Primavera Árabe- motivada por injustiças como alto desemprego, corrupção e inflação de alimentos, além da falta de democracia. Além disso, “Talkin’ ‘bout a Revolution” também foi utilizada na campanha eleitoral de Bernie Sanders em 2016, quando concorreu para ser o candidato democrata nas eleições dos Estados Unidos e foi derrotado por Hilary Clinton, sendo tocada antes dos discursos do candidato.
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“Pal Norte” – Calle 13 & Orishas
O famoso grupo porto-riquenho Calle 13 e o grupo Cubano Orishas gravaram a canção que narra a situação dos imigrantes latinos que partem rumo ao norte para tentarem uma vida melhor. Na música lançada em 2007, os artistas citam diversos desafios e percalços enfrentados por essas pessoas, como o deserto na fronteira com os Estados Unidos, a falta de alimento, a fiscalização e o preconceito.
A banda Calle 13 também possui outras músicas interessantes ao escopo deste post como “Latinoamérica”, canção que exalta o povo latino americano e denuncia a exploração e o imperialismo praticado contra o continente: “Sou o que sustenta minha bandeira / A espinha dorsal do planeta, é a minha cordilheira / Sou o que me ensinou meu pai / O que não ama sua pátria, não ama a sua mãe / Sou América latina, um povo sem pernas, mas que caminha.” (Tradução nossa). Apesar de ser cantada em espanhol, um trecho é traduzido para o português, sendo inclusiva ao Brasil.
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“Nalestan” – 143 Band
A canção de 2017, Nalestan (“A Terra do Choro”), fala sobre a violência contra as afegãs. Seus versos são intensos e nos permitem entender a situação da mulher nos países árabes: “Eu queria correr, mas fui esfaqueada pelas costas / Eu queria pensar, mas fui espancada na cabeça / Queimaram meu rosto em nome do Islã e caí em desgraça em nome da vingança”. (Tradução nossa). A banda é composta por dois integrantes, sendo uma delas Paradise Sorouri, primeira cantora de rap afegã. Em seus clipes, a cantora utiliza o dialeto dari e veste roupas não convencionais: o véu islâmico é substituído por um moletom com capuz. Outras canções da dupla são baseadas na própria experiência da cantora com a violência, a exemplo de Faryade Zan (“O Grito de Uma Mulher”), escrita depois de Paradise ter sido agredida por cinco homens no Afeganistão, para onde retornou depois de longos períodos de refúgio em países vizinhos.
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“Needle Stuck On Lebanon” – Checkpoint 303
A canção faz parte do álbum “The Iqrit files”, um projeto colaborativo criado em 2015 pelo músico tunisiano MoCha. Todas as faixas tratam do conflito entre Israel e Palestina, que ocorre desde o começo do século XX até o momento atual. É interessante o conceito peculiar das canções, que não seguem a música convencional, sendo considerada por seus produtores como uma “arte de protesto”. Isto porque, as letras não são cantadas e sim faladas, ao som de batidas elétricas. No álbum, aparecem vozes conhecidas como a de Bob Marley e de Eleanor Roosevelt (lendo um trecho da Declaração dos Direitos Humanos), e de trechos da votação da Resolução 181, na ONU, em 1947, que determinou a partilha da Palestina.
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“Level of Concern” – Twenty One Pilots
Chegamos ao tema mais atual, retratado na canção da banda estadunidense: os efeitos da pandemia do novo corona vírus. A letra cita a quarentena e os distúrbios e estresses que as pessoas estão enfrentando durante o isolamento social. A banda foi uma das primeiras a cantarem sobre o tema, porém não são os únicos artistas que transformaram este evento mundial em música. O cantor mexicano Carlos Rivera gravou a música “Ya pasará” e a banda The Rolling Stones lançou “Living in a Ghost Town”. Já no Brasil, a cantora Adriana Calcanhoto compôs a música “Só”.
Curtiu? Venham conferir estas e outras canções na nossa playlist “Músicas & Relações Internacionais”, criada com muito carinho pra vocês! Clique aqui para reproduzir no spotify.
Este post foi produzido com a colaboração da voluntária Marina Fontoura.