INTERCÂMBIO NA AUSTRÁLIA: UM ANALISTA INTERNACIONAL NO SUL DO MUNDO

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Conhecida como a terra dos cangurus e coalas, a Austrália é praticamente uma ilha-continente do outro lado do mundo. O maior país da Oceania já foi colônia dos ingleses, hoje é umas das nações mais ricas do mundo e um dos destinos preferidos de mochileiros e estudantes, pois oferece tudo do bom e do melhor: clima bastante parecido com o do Brasil, centenas de praias bonitas e surfáveis, paisagens maravilhosas, hospitalidade, liberdade, multiculturalismo, e muita diversão.

Além disso, é também um dos poucos lugares que permitem que o estrangeiro trabalhe enquanto estuda. Uma oportunidade única para conhecer gente de várias nacionalidades. Alexandre Dalfior, analista internacional formado pela PUC Minas, realizou um intercâmbio para a Austrália durante sua graduação em 2003. A ideia, a principio, era ficar apenas seis meses, mas Alexandre gostou tanto do país que acabou ficando por três anos! Confira abaixo o relato do internacionalista sobre sua experiência.

“Embarquei para a Austrália no segundo semestre de 2003. À época cursava o penúltimo ano do curso de Relações Internacionais na PUC Minas, e tinha como objetivo principal aperfeiçoar o meu inglês. Quando deixei o Brasil nem imaginava que o período previsto de seis meses de intercâmbio se estenderia por três anos!

A Austrália parece ser hoje um dos destinos favoritos dos estudantes brasileiros, mas em 2003 ainda não estava tão em voga. Escolhi o país basicamente pela possibilidade de conciliar o trabalho ao estudo (o visto de estudante permite o “part- time job”) e pelo clima parecido com o do Brasil.

Fiquei em Brisbane nos primeiros seis meses. Meu primeiro impacto cultural ocorreu assim que saí do aeroporto. A todo o momento achava que o carro iria bater devido à mão inglesa rs.. É claro que a limpeza, a organização, a beleza do país e o jeito descontraído do australiano iriam me conquistar em pouco tempo. Mas um evento me marcou pra sempre. Todos os anos a cidade realiza o “Brisbane Festival”.  Durante uma semana, dezenas de espetáculos de teatro, música, dança etc. são oferecidos para a população, e no último dia acontece uma grande queima de fogos. Pois bem, me recordo que nesse último dia de evento estava caminhando à beira do rio com uns amigos, que era um dos lugares favoritos dos “locais” para assistir a queima de fogos. Qual foi a minha surpresa ao perceber que, por um percurso de pelo menos 3 km, as centenas de pessoas já posicionadas – com seus “coolers” de cerveja, cadeiras, sombrinhas e petiscos – ouviam, todos, a mesma rádio, que era a rádio oficial do evento.  A primeira coisa que pensei foi: no meu país estaria acontecendo uma  competição de estilos musicais além de cada um estar tentando escutar o seu som mais alto que o outro. Mas ali não: todos sintonizados em uma mesma rádio e, entre uma música e outra, alguns testemunhos das pessoas sobre o que consideravam ser os melhores momentos daquela semana,  sempre saudando o privilégio de morar em uma cidade como Brisbane. Fiquei encantado com o fato de um povo conseguir compartilhar uma identidade tão forte em torno de algo que não era carnaval ou futebol.  Compartilhavam o orgulho de fazer parte daquela cidade e o fato de poderem contribuir, enquanto cidadãos, para que ela fosse uma das melhores cidades do mundo para se viver, como dizia o radialista.

Queima de fogos durante o Brisbane Festival

Queima de Fogos durante o Brisbane Festival

Adaptar-me à organização não foi um problema. Claro que sofri outros “baques”: não me esqueço do dia em que o motorista do ônibus público me pediu desculpas por ter
chegado 3 minutos mais cedo que o previsto no ponto ou da primeira vez que vi um caminhão de lixo totalmente automatizado, recolhendo caçambas de acordo com a coleta seletiva do dia. Contudo, também não deixei de perceber o quanto as pessoas eram comprometidas com seu trabalho e o tanto que efetivamente trabalhavam. O quanto as regras eram seguidas, e que as pessoas não esperavam que elas fossem relativizadas. Esses e outros fatores me permitiram concluir que aquele país era desenvolvido não por acaso. Que existia um esforço individual e coletivo em torno do bem comum. Que as pessoas entendiam a necessidade de seguir o contrato social, não porque eram iluminados espiritualmente, mas porque esperavam que o próximo fosse fazer o mesmo, e isso se tornaria sim um benefício social, mas também particularmente consegui conciliar o trabalho com os estudos. Isso foi importante, pois apesar de ter pouquíssimos brasileiros na minha escola, foi no trabalho onde tive oportunidade de fazer amizade com os nativos, e compreender melhor sua cultura e praticar o idioma. Se tivesse ficado apenas na escola não conseguiria uma imersão cultural tão profunda, imagino.

Após seis meses de Austrália e antes de minha programada volta para o Brasil, decidi visitar Sydney. Era fim de ano e queria conhecer a famosa queima de fogos da cidade.  Sydney é uma cidade vibrante. Cosmopolita, cheia de belezas naturais, de eventos culturais e que erradia uma energia contagiante. A queima de fogos foi de fato maravilhosa e, no auge dos meus 20 e poucos anos decidi, poucos dias depois do ano novo, estender minha estadia no país. Queria viver naquela cidade, aproveitar daquela atmosfera, daquela energia tão diferente. Ainda não sabia direito porque, mas hoje, olhando para trás, entendo perfeitamente.

Acho que nós, brasileiros, temos uma orientação de vida bastante americanizada. É exigido que saibamos desde cedo qual profissão vamos escolher e nos é dito que temos que nos dedicar a ela o quanto antes. Com 20 e poucos anos devemos estar formados, e dedicando a maior parte da nossa energia ao desenvolvimento profissional.  O que senti naqueles primeiros meses de Austrália é que a vida não tem que ser levada de forma tão competitiva. O australiano cultiva dentro de si a importância de aproveitar os bons momentos, de aproveitar a vida na sua essência. Ele quer fazer amigos, viajar, conhecer o mundo. O trabalho vai sempre estar lá, e ele não precisa ser prioridade. Não existe essa urgência de ser o melhor profissional, de ganhar a maior quantidade de dinheiro no menor tempo possível; não existe essa pressão em torno da carreira. E acho que foi isso que me atraiu muito e que pesou na minha decisão de continuar por ali mais um tempo. Matriculei-me em um curso de administração e renovei meu visto por mais dois anos e meio.

Nem tudo foram maravilhas.  Um aspecto que me incomodou foi a frieza nos relacionamentos interpessoais. A saudade da família e dos amigos no Brasil também pesava a cada mês que passava. Ainda não era época de facebook, Skype, facetime. A internet não era tão comum e o contato com o Brasil ainda era feito primordialmente por telefone. Mas de uma forma geral tive muito mais facilidade em me adaptar à cultura australiana do que quando voltei ao Brasil, de me readaptar à minha própria cultura. Descobri que é muito mais prazeroso viver em um mundo organizado onde as regras são seguidas do que em um lugar onde todos acham que as regras devem ser adaptadas às suas demandas pessoais e cada um se busca ser mais esperto que o outro.

Durante esses anos em Sydney fiz de tudo um pouco. Trabalhei de garçom, de peixeiro, na construção civil e em eventos. O que aparecia era encarado como oportunidade de conhecer pessoas, ambientes diferentes, de me divertir. Conheci gente de todos os lugares do mundo, viajei bastante pelo país e passei por situações que nunca imaginei que passaria. Todas as situações eram encaradas como uma chance de viver algo diferente do que encontraria por aqui e realmente sinto que foi uma época de muitas descobertas a respeito do mundo e de mim mesmo.

Sidney - Austrália

Mas após aproximadamente três anos de Austrália decidi que era hora de voltar para  casa.  Não foi uma escolha feita da noite para o dia, e sim um pensamento que ia  amadurecendo  à medida que percebia que acúmulo de experiências que eu poderia ter  com aquele tipo de  rotina já estava se exaurindo. Apesar de o sonho de morar no  exterior me acompanhar  desde a adolescência também sempre me acompanhou o desejo de construir uma carreira  profissional que me permitisse desenvolver um  trabalho que contribuísse para a sociedade  de uma forma mais intelectual.  Apesar de  estar sempre estudando na Austrália, toda a minha estadia estava muito mais voltada  para uma imersão cultural que me permitisse  experimentar a vida com o mínimo de  amarras possíveis, e, sem dúvidas, deixei a carreira  um pouco de lado, mas sem abandoná-la totalmente.

Durante todo o período em que estive no país permaneci com o visto de estudante. Nos primeiro seis meses fiz um curso preparatório para certificado de proficiência no idioma. Quando me mudei para Sydney fiz dois anos de administração, do qual me qualifiquei  com um diploma semelhante a um curso técnico de administração aqui no Brasil. Já  durante os seis últimos meses fiz um curso voltado para professores de inglês, já  preparando o meu retorno para o Brasil e imaginando ser uma atividade que poderia desenvolver enquanto terminasse minha graduação no Brasil.

Meu retorno ao Brasil foi um pouco traumático, tenho que me admitir. Lembro-me da primeira impressão que tive ao chegar a São Paulo e me deparar de novo com a pobreza, a desorganização e outros aspectos negativos de nosso país que todos conhecemos bem. Bateu-me uma tristeza ao lembrar como as pessoas podem viver em situações tão degradantes, sendo que a humanidade tem tanto a oferecer. Havia me esquecido, nesses três anos fora, que esse mundo cruel existia, e que era a vida que a maior parte do meu povo era obrigado a suportar.

Rever minha família foi incrível. Se aprendi  algo nesse período no qual  fiquei afastado deles foi que nenhuma distância pode apagar uma relação de afeto tão profunda quanto a que tenho com meus pais e irmãos. Voltei sem receio expressar meu amor e carinho para cada um deles em cada oportunidade que tenho. Tinha muita expectativa em relação a meus amigos, mas poucos deles realmente me reconheceram quando voltei. Rapidamente percebi que a vida deles também seguiu em frente. Também acho que como voltei muito diferente do que quando fui e  algumas relações perderam um pouco do sentido. Essa foi outra lição. Como acontece na vida, acabei fazendo novos amigos que compartilhavam da minha nova visão do mundo.

O meu projeto de dar aulas de inglês acabou nunca se concretizando. Assim que voltei fui convidado por um professor a estagiar em um programa do governo de Minas relacionado à inteligência comercial internacional. Um ano depois resolvi mudar um pouco os rumos e estagiei em uma grande empresa, no departamento de relações com investidores. Dois anos após meu retorno me graduei em relações internacionais, e fui convidado por um amigo a trabalhar com consultoria internacional. Trabalhamos por cerca de um ano e resolvi me dedicar a estudar para concursos públicos federais. Hoje sou servidor público em uma agência reguladora e trabalho na área de relações institucionais, especificamente com assessoria parlamentar.

Posso afirmar com convicção que meu período no exterior modificou profundamente meu relacionamento com o mundo. Ampliei muito meus conceitos, quebrei paradigmas e construí novos. Considero-me uma pessoa mais dinâmica, mais ousada do que era. Isso afetou minha vida tanto no aspecto profissional quanto pessoal. Aprendi a levar as coisas de uma forma mais leve, interiorizando um pouco do olhar australiano sobre a dinâmica do mundo. Aprendi a importância das regras e principalmente por que é tão essencial que elas sejam seguidas. Percebi que um trabalho bem feito será sempre recompensado. Compreendi que qualquer trabalho honesto é uma forma de digna de ganhar a vida, e que ninguém deve ser julgado diferente pela atividade que está desempenhando. Que pontualidade, honestidade, comprometimento e bom humor são valores universais. Tive a oportunidade de conhecer pessoas de todos os tipos, conviver com europeus, latinos, asiáticos e também brasileiros. Observar cada cultura, suas diferenças e semelhanças, me fez ainda mais curioso acerca das diferenças e do que elas podem trazer de bom para nossas vidas.

Passei por vários momentos difíceis, me senti por vezes sozinho, excluído, afinal, no ‘final do dia’ eu seria sempre um estrangeiro. Tomei decisões acertadas e algumas erradas. Mas não me arrependo nem um pouco de cada uma delas. Sem dúvida alguma voltei bastante, muito mesmo, diferente do que eu fui. E na minha modesta opinião, diferente pra melhor.

Acho que a pergunta que fica é: valeu a pena? E a minha resposta, sem dúvida nenhuma, é que faria tudo de novo!! ”

 

E você, teve uma experiência incrível em intercâmbio no exterior? Escreve para gente contando como foi!

 

 

 

 

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