“(…) Relações internacionais me ajudou a pensar de forma global e a desenvolver empatia. Isso é fundamental. Se você pensa somente no seu crescimento pessoal, não pode trabalhar com temas como desenvolvimento, alívio de pobreza, questões de saúde etc. Ter feito RI me ajudou também a entender como funcionam as conexões entre o micro e o macro: por exemplo, o que acontece numa esfera mundial na OMC impacta o pequeno produtor de leite no interior de um país. (…)”
Graduada em 2007 em Relações Internacionais pela Universidade Cândido Mendes e Mestre em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Flávia tem mais de 15 anos de experiência profissional em desenvolvimento com foco em direitos humanos e programas para beneficiar populações em vulnerabilidade. Trabalhou em duas organizações internacionais da ONU e atuou na esfera pública e privada. Atualmente, é Diretora de Programas da Global Health Strategies.
Confira abaixo a entrevista completa.
1. O que a motivou a escolher o curso de Relações Internacionais e como foi o seu processo de tomada de decisão para ingressar na carreira?
Há mais de 15 anos eu havia aplicado para uma vaga de assistente na ONG ActionAid e RI me pareceu a melhor escolha para pensar numa carreira no tema de desenvolvimento. Conversei com a minha mãe, que é professora da UFF, e ela me encorajou bastante.
2. Você trabalhou em duas organizações internacionais sem fins lucrativos: no Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) e na Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA) como Oficial de Cooperação Sul-Sul e Oficial de Ligação, respectivamente. Poderia nos contar um pouco sobre sua rotina, responsabilidades profissionais e principais atividades desenvolvidas?
Essas agências da ONU que trabalhei foram experiências bem importantes. NO UNODC eu trabalhava em um projeto de cooperação com Guiné Bissau, em parceria com a ABC e com a Polícia Federal. A rotina incluía muitas reuniões, viagens, relatórios e negociação para implementar as atividades do projeto, considerando as prioridades do MRE e o contexto de Guiné Bissau. Como a ONU é muito burocrática as coisas nem sempre avançam na velocidade que gostaríamos, e habilidade em compreender isso e trabalhar com o contexto são fundamentais.
NA UNRWA o tema de refugiados da Palestina era (e é, ainda mais neste governo atual) sensível. As atividades incluíam costurar parcerias com a comunidade árabe de SP, para doações destinadas aos refugiados que viviam em Gaza, na Síria, no Líbano e na Cisjordânia. Havia um componente forte de comunicação, ou seja, criar e cuidar do site, das mídias sociais, fomentar doações online etc. Outras atividades incluíram a negociação de uma doação de 11MT de arroz do Brasil para os refugiados. Após meses de negociação com a extinta CGFome no MRE, completamos esse processo. Decorreram meses de conversas, e-mails, ofícios, articulação com embaixadas e com o próprio MRE, discussões sobre questões logísticas e negociação com o governo do Rio Grande do Sul, que foi quem doou o arroz.
3. Você é hoje Diretora de Programas da Global Health Strategies. Em que sua formação em Relações Internacionais contribuiu para esse crescimento profissional? Existem outros fatores que julga serem importantes nessa ascensão?
Relações internacionais me ajudou a pensar de forma global e a desenvolver empatia. Isso é fundamental. Se você pensa somente no seu crescimento pessoal, não pode trabalhar com temas como desenvolvimento, alívio de pobreza, questões de saúde etc. Ser Internacionalista me ajudou também a entender como funcionam as conexões entre o micro e o macro: por exemplo, o que acontece numa esfera mundial na OMC impacta o pequeno produtor de leite no interior de um país. Um surto de febre amarela em Angola impacta na produção de vacinas em BioManguinhos. Um grupo de pessoas antivacinas pode colocar em risco a vida de outras milhões. RI te dá as ferramentas para fazer – e respeitar – essas conexões nos diferentes níveis.
Acredito que para todo e qualquer crescimento profissional é fundamental ter humildade. No começo sofri muito por não saber trabalhar em equipe, por exemplo, e ignorava esse aspecto. Hoje entendo: chega-se mais rápido se formos juntos. Se protegendo, claro, e sabendo discernir quem está querendo colaborar contigo!
4. Você teve experiência tanto no setor público, atuando como Assessora Especial para Relações Internacionais do Governo do Estado do Rio Janeiro, como no privado, trabalhando em uma companhia de consultoria internacional. De acordo com as suas experiências, como você julga as vantagens e desvantagens das esferas pública e privada para um Analista Internacional atuar?
São funções completamente diferentes. No governo meu trabalho era centrado em dar visibilidade as ações da Secretaria e construir parcerias com outros governos, fazer acordos de cooperação técnica para avançar uma agenda de política pública. Isso é diametralmente diferente do que trabalhar no setor privado. No governo você tem que gostar de política, tudo é política. Entretanto, é a melhor escola.
A empresa que trabalho atualmente é privada e busca lucros, ou seja, outro eixo orientador. As dinâmicas são diferentes, a forma de trabalhar, o jeito de escrever um e-mail, até o RH é diferente. Não vejo como vantagens e desvantagens, mas tem que entrar sabendo que estamos falando de 2 mundos distintos. A vantagem é que o analista internacional, a rigor, pode circular bem nos dois campos. A partir dessas experiências, saber o que quer, e o que não quer fazer profissionalmente. Se eu tivesse que indicar uma vantagem, o setor privado é mais estável, de uma certa forma.
5. Ao longo de toda sua carreira, percebe-se que você tem mais de 15 anos de experiência profissional em desenvolvimento com foco em direitos humanos, e programas para beneficiar populações pobres e excluídas. Quais foram suas maiores motivações para tal escolha?
Sabe que eu não sei dizer? Acredito que tudo começou na ActionAid, início de faculdade. Uma ONG enorme trabalhando com mil temas importantes solidificou meu entendimento com as aulas na faculdade. Era muito legal ver a pluralidade das pessoas e parceiros com quem a organização trabalhava e depois na aula observar o contexto no qual aquele projeto específico estava inserido. Uma vez nesse ramo, acho difícil sair. Você faz a sua rede, suas conexões e se importa, simplesmente.
6. Você possui um mestrado em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Como e por que escolheu essa especialização? Qual a importância para o trabalho que desenvolve atualmente? Na sua opinião, qual a relevância de uma pós-graduação?
O mestrado fez a diferença depois da graduação. Eu senti que precisava se um estofo/preparo maior. Escolhi, pois era o melhor mestrado para avaliação de políticas públicas, uma área que eu tinha interesse e na qual trabalhava na época. Sinto que esse mestrado é bem importante hoje em dia também, para compreender o ciclo das políticas, avaliações macroeconômicas, e, em geral, fazer relações governamentais de forma estratégica.
7. Como Analista Internacional, quais foram as suas maiores dificuldades com relação ao mercado de trabalho? Como fez para superá-las?
As dificuldades foram ter feito a transição de um cargo de secretária/assistente para funções mais desafiantes e em achar uma área específica de trabalho. Eu precisava começar de algum lugar, então na ActionAid comecei como assistente. Superar esse “estigma” levou alguns anos. Eu temia me atrever a outras funções, pois julgava que não iria conseguir, que deveria estar em questões mais administrativas mesmo (sem nenhum demérito a funções administrativas, mas não era o que eu queria.).
Contudo, consegui! Apesar de não ter sido fácil. Adicionalmente, corri o risco de me tornar uma generalista ao ter lidado com tantos assuntos (tráfico de pessoas, questão LGBT, saúde, refugiados da Palestina etc). No entanto, você também pode fazer isso jogar a seu favor, em resumo: você tem habilidades para lidar com diversos temas e entende os processos, do mais simples ao mais complexo, pois foi exposta a isso, começou lá no primeiro degrau. Valeu a pena!
8. Imaginemos que você tenha que contratar um analista internacional para trabalhar com você. Quais características o candidato deve ter para fazer parte da sua equipe?
Como dizem os especialistas, na diplomacia, forma é conteúdo. Eu buscaria por uma pessoa flexível, que consegue se comunicar com respeito e destreza com diversos níveis hierárquicos e colabora bem com a equipe, clientes e parceiros, especialmente os mais simples. Entendimento técnico nós aprendemos, lemos, treinamos, fazemos curso. Tato e visão estratégica são mais difíceis!
9.Você possui habilidade em três idiomas: português, inglês e espanhol. Em sua vida profissional, quais desses idiomas possui maior relevância?
O inglês e depois o espanhol. Honestamente não sei o que faria sem o inglês!
10. Para terminar, se pudesse dar alguma dica aos futuros analistas internacionais que desejam seguir a sua carreira, qual seria?
Se quer trabalhar com desenvolvimento, tenha empatia e crie uma rede de contatos na área. Entenda: trabalhar com pobreza e assuntos relacionados não é o mesmo que assistencialismo. Desenvolva uma visão sofisticada dos assuntos. Leia artigos, faça cursos. Escreva. Capriche nas cartas de apresentação ao mandar seu currículo. Seja educado e firme. Tem que ter coragem! Esqueça ficar rico. Se quiser isso, vá para a indústria farmacêutica ou outras grandes corporações.
Entrevista produzida com a colaboração da estudante de Relações Internacionais da UFRJ e Colaboradora Voluntária Giovanna Soares.